Parteira X Doula: você sabe a diferença?

Vejo frequentemente muita confusão entre os papéis da doula e da parteira, inclusive algumas pessoas que pensam que doula e parteira são a mesma coisa. Por isso, fiz este texto para explicar as diferenças entre o papel da doula e o papel da parteira durante o atendimento ao parto.

A PARTEIRA

A parteira é a pessoa que atenderá o parto (lembrando aqui que quem FAZ o parto é a mulher, não é certo falar que a parteira irá “fazer” o parto). Elas são pessoas com curso superior completo, formadas em enfermagem e especializadas como enfermeiras obstetras ou então formadas em obstetrícia. Em qualquer uma das possibilidades, a formação delas as capacita para atender o parto normal sem complicações e também para identificar problemas no parto que tornam necessárias as intervenções médicas – caso em que, se o parto estiver sendo domiciliar ou em casas de parto, será necessária a transferência para o hospital, e se o parto estiver sendo hospitalar, será necessário chamar o/a obstetra. As parteiras também são capacitadas para fazer todo o pré-natal de uma mulher que tenha a gestação sem intercorrências – a princípio, todas podem iniciar o pré-natal com uma enfermeira ou com uma obstetriz, e se for constatada uma situação de maior risco, como por exemplo uma hipertensão gestacional, a pessoa será encaminhada então para um médico obstetra. 

Então, no parto, principalmente no domiciliar (já que no Brasil ainda não temos muito a presença de parteiras acompanhando partos em hospital, local em que a atuação médica é privilegiada), a parteira será a pessoa responsável pela parte mais “técnica” do parto – acompanhar a dilatação (ela pode fazer exames de toque se assim for necessário), avaliar os batimentos cardíacos do bebê, recepcionar o bebê e diagnosticar qualquer complicação que faça necessária a presença de um médico (salientando que estas complicações raramente acontecem, mas se acontecerem, precisam ser diagnosticadas a tempo).

Adendo: não ignoro a existência das parteiras tradicionais, que são aquelas que aprendem o ofício com suas mães/avós/antecessoras e geralmente atendem em pequenas comunidades. Porém, neste texto, eu me refiro somente às parteiras urbanas, que são as que possuem capacitação profissional e atendem geralmente em grandes centros.

A DOULA

“Doula” é uma palavra que vem do grego “mulher que serve”. Para ser doula, não é preciso ter formação acadêmica, não é preciso ser da área da saúde, não tem nenhum pré-requisito. Na verdade, para ser doula, é preciso apenas conhecer a fisiologia do parto e ter muita vontade de ajudar os outros. E, como diz muito sabiamente o obstetra Ricardo Jones, conhecer a fisiologia do parto é fácil, qualquer um com um pouco de tempo e um bom livro de fisiologia consegue. Porém, ter realmente o dom e a vontade de servir a outra pessoa, em um mundo onde todos querem ser servidos, isso sim é algo difícil de encontrar.

No pré-natal, a doula irá acompanhar a mulher a partir do momento que for contratada e a ajudará a se informar. Ela dará à mulher acesso a informações de qualidade e também ajudará na formulação do plano de parto, que é um documento que explicita todas as preferências da mulher durante o pré-parto, parto, pós-parto e cuidados com o recém-nascido (e cabe lembrar aqui que, assim como uma enfermeira não pode pegar o seu filho de dois anos e aplicar uma injeção qualquer nele sem a sua autorização, na teoria, ninguém poderia fazer nada com o recém-nascido, que também é uma criança, sem a permissão dos pais – na prática, a coisa não funciona bem assim, mas prossigamos). Além disso, ela ajuda a mulher a se preparar fisicamente e emocionalmente para o parto, o que é muito importante principalmente para as mães de primeira viagem, que nunca passaram por um parto e não sabem bem o que esperar.

Durante o parto, a doula é responsável pelo apoio físico e emocional à parturiente. Ela ajuda a mulher a se sentir bem, propõe posições diferentes para que a mãe se sinta mais confortável e ajuda no alívio da dor através de massagens, técnicas de respiração, relaxamento e banhos quentes (de chuveiro ou, quando possível, na banheira). No hospital, ela ainda será o “rosto conhecido” da mulher em trabalho de parto, aquela em quem ela confia mais do que ninguém – especialmente se ela estiver sendo atendida por um plantonista que ela não conhece. Como a doula acaba tendo muito mais contato com a mulher do que o médico, que geralmente se encontra com a paciente só nas consultas de pré-natal, o vínculo entre a mulher e a doula acaba sendo mais forte do que o vínculo entre a mulher e o médico. E isto é de extrema importância no momento do parto, porque ter alguém de confiança da mulher junto dela, que sabe o que está fazendo, que conhece a fundo a fisiologia de um parto normal e que está ali com o único propósito de tornar o parto da mulher mais fácil e prazeroso, faz toda a diferença. Estudos científicos já mostraram que a presença de uma doula reduz em 60% os pedidos por anestesia, 50% a taxa de cesáreas, 40% o uso de ocitocina sintética, 20% o tempo de duração do trabalho de parto, reduz o uso de intervenções médicas em geral e aumenta a satisfação da mulher com o próprio parto, diminuindo assim as taxas de depressão pós-parto. Destaco aqui que a presença do marido ou de outro acompanhante qualquer de escolha da mulher também é de suma importância, e a mulher jamais deve ter que escolher entre a doula ou o marido: ela deve ter os dois, pois a doula faz parte da equipe de assistência ao parto, enquanto o marido faz parte da família.

Outro papel importante da doula durante o trabalho de parto e o parto é a ligação entre a mulher, o marido e a equipe médica (quando em hospital, é claro). Ela ajuda a mulher e a equipe médica a se comunicarem de forma mais efetiva, pois “traduz” os termos médicos de maneira que possam ser mais compreensíveis para os pais, e também ajuda o marido e a mulher a ficarem mais próximos, pois é comum que os maridos também sintam medo durante o trabalho de parto – afinal, é uma experiência nova para ele também. Pode ser que o pai não saiba muito bem como se comportar naquele momento, ou que ele tenha receio de fazer algo que irá atrapalhar a mulher, ou até mesmo que ele se preocupe tanto com a mulher que acabe se esquecendo dele mesmo. Nesse sentido, a doula o ajuda a saber como confortar e apoiar a mulher, como dar apoio físico em determinadas posições, como e onde ele pode ajudar fazendo massagens e como apoiar a sua companheira quando chegar o período expulsivo.

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doula-3Fotos que ilustram como é importante o apoio da doula E do marido, juntos

Por fim, no pós-parto, o trabalho da doula também é igualmente importante: ela faz visitas à família para se certificar que está indo tudo bem e ajuda a mulher na amamentação. As taxas de sucesso na amamentação das mulheres acompanhadas por doulas são enormes, e isto acontece tanto pela satisfação da mulher com o próprio parto quanto pelas orientações promovidas pela doula à mulher no pré e pós-parto. Afinal, toda mulher nasce para amamentar e todo bebê nasce para ser amamentado, porém ninguém nasce sabendo, e a mulher pode precisar de ajuda para estabelecer a amamentação.

Está fora da competência das doulas realizar exames, procedimentos médicos ou prestar qualquer cuidado ao recém-nascido. A doula não pode, por exemplo, realizar exames de toque para verificar a dilatação, ainda que ela saiba fazer isso. Também está fora da competência das doulas discutir procedimentos médicos ou questionar decisões – ou seja, ela não tem poder de, caso o médico resolva fazer uma intervenção, discutir a necessidade da intervenção, ainda que ela seja mesmo desnecessária.

É importante salientar que nem tudo são flores na vida das doulas: por mais que o papel delas seja importantíssimo no atendimento ao parto normal, inclusive com benefícios comprovados cientificamente, ainda assim elas não são bem vistas em todos os lugares. Há hospitais que permitem a presença da doula e do marido durante o trabalho de parto, porém há hospitais que não permitem a entrada de doulas. Isto é uma questão de haver um combinado entre o casal e a doula: as doulas geralmente são pessoas muito bem informadas sobre a situação obstétrica na cidade em que atendem, e por isso sabem informar quais são as melhores opções que a mulher tem ao seu alcance.

Resumindo e ilustrando:

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A doula não substitui a parteira. É preciso que haja uma pessoa qualificada, para atender ao parto, recepcionar o bebê e identificar qualquer situação de risco que faça necessária uma transferência ou acompanhamento médico, e esta pessoa é a parteira.

Do mesmo jeito, a parteira não substitui a doula. É preciso que haja uma pessoa para prestar apoio contínuo durante o trabalho de parto, coisa que a parteira não pode oferecer, porque em alguns momentos estará ocupada com a “parte técnica” do parto, com a saúde física da mãe e do bebê, verificando a dilatação ou os batimentos cardíacos. Pode ser que a parteira tenha formação como doula – muitas delas têm – mas, se ela estiver atuando como parteira, ela precisa se ater às suas atribuições de parteira.

Portanto, as duas são únicas e têm funções bem diferentes. Em um parto domiciliar, as duas são importantes. Em um parto hospitalar, provavelmente a parteira será substituída pelo obstetra – apesar que já há alguns hospitais no Brasil que trabalham com enfermeiras obstetras ou obstetrizes atendendo partos de baixo risco e médicos somente nas cirurgias ou nos partos normais de alto risco, como deveria ser.